domingo, 11 de março de 2012

Música!

Então, gente, lembram-se que eu falei da música "Por aí", que compus com minha amiga @raira_machado, num post antigo?

Pois é, aqui está ela. Have fun! :)


quarta-feira, 7 de março de 2012

Sopa Campbell, pós-estruturalismo e a ditadura dos rótulos

Vi muitos enlatados nas prateleiras. Enlatados são práticos, pois não há necessidade de se adicionar nenhuma identidade gastronômica a eles - o tempero da vovó, o azeite espanhol extra-virgem, o cheiro-verde do quintal de casa, o alho picado fininho... Eles já vêm prontos - é só esquentar e, voilà, temos uma deliciosa sopa Campbell (como em meus áureos tempos de faculdade nos EUA). Ok, não é deliciosa - assim como macarrão instantâneo, apenas "dá para o gasto" e alimenta por algumas horas.

Enlatados mil, de todas as marcas, para todos os gostos, de todos os tipos. Enlatados-homens, enlatados-mulheres, enlatados-crianças, enlatados-minorias - e maiorias. Enlatados-pequenos-burgueses, enlatados-latifundiários, enlatados-trabalhadores-da-classe, enlatadas. Feministas, gordos, imbecis, alienados, militantes, intelectuais, humildes, arrogantes, mães-de-família, homens-de-bem...

(do site roquenrou.com) Claro! O que mais se poderia esperar de uma superstar?
Rótulos identificando pessoas. Taxando pessoas. Ideologias a perder de vista, a preços acessíveis. É o mercado ideológico da sociedade: rótulos contendo informações sobre o produto-humano, do qual espera-se não apresentar a mínima variação de sabor-pensamento-atitude. Se o rótulo diz "mãe-de-família", isso é tudo o que você vai encontrar na lata; um personagem plano, de identidade uniforme, sem a menor variação ou profundidade psicológica. Como o brutamontes que não pode gostar de balé. Ou como a menina bem-comportada que não pode jogar futebol. Ou como o bicho-grilo que, com certeza, é chegado numa baderna.

Mas extratos Elefante não trazem elefantes verdes dentro das latas. Fomos enganados, afinal? Será que a ditadura dos rótulos não é bem o que se vende?

Rótulos vendem estereótipos. Como a caixa de seleta de legumes que traz, na vertical, em letras miúdas, no canto da foto dos grãos de ervilha e milho, a frase "imagem ilustrativa". A sopa Campbell parece sempre mais apetitosa na ilustração, com pedaços suculentos de legumes e carne, cores saturadas e truques de fotografia. Sempre idealizada e vendida como "a autêntica sopa Campbell". E, ao abrirmos a lata, percebemos que a realidade não corresponde bem à "imagem ilustrativa". Conformados, tomamos a sopa concreta, pensando na sopa abstrata do rótulo. Uma outra sopa.

Nós também vestimos rótulos. Pois vivemos em um século chamado "Alienação" - e não venha me julgar de bicho-grilo: eu sei que não vivemos mais na década de 70, nem estou protestando contra a Guerra do Vietnã. Moralista é a mãe, e nem estou dizendo novidade alguma - afinal, originalidade virou elefante branco.

Rótulos são generalizações disfarçadas de constatações. Por exemplo: "todo homem é assim", "mulheres nasceram para ser mães", "adolescentes são imaturos", "religiosos são fanáticos", "gringos são sem-noção", "de acordo com as estatísticas"...

"Arianos são superiores". Isso te lembra alguém?
Será que a coisa é bem assim? "Ah, mas a maioria..." A maioria que você conhece, ou a maioria que realmente é?

Como vamos saber se todas as latas da prateleira são apenas mais do mesmo?

Apesar de, às vezes, sentir vergonha, até que gosto de ser humana, para variar. Pois nada me tira a certeza de que, no fundo, humanos não precisam ser rotulados, apesar de muitos não se importarem em vestir esses rótulos pré-estabelecidos pela sociedade. E me vejo de volta às carteiras da faculdade, em uma intrigante aula sobre Estruturalismo: os seres humanos são dominados por estruturas. E são essas estruturas que constroem suas identidades.

IdentidadeS, disse bem. Pois todo ser humano é composto não por uma, mas por várias identidades. E identidade é o contrário de rótulo: rótulo é julgamento, e não realidade. A lata de leite condensado pode até mostrar um pudim no rótulo, mas você pode resolver fazer brigadeiro - ou comer leite condensado de colher. Um grão de milho verde dentro da lata pode estar mais ou menos torto, esmagado e mole do que os outros. A safra da ervilha deste ano pode estar mais saborosa do que a do ano passado. Ou, de repente, a sopa está com um gosto diferente, porque você esqueceu de checar a validade.

Quais são as nossas condições de produção? Quantas estruturas nos atravessam? Quantas estradas um homem deve andar antes que possa ser considerado um, Mr. Dylan?

O que nos faz ser tão radicalmente diferentes de todos os nossos semelhantes?

Nossas identidades. Inúmeras, complexas e improváveis identidades. Assim como nossas escolhas, que podem contrariar uma regra alienada, uma generalização burra - sim, sou pleonástica. Pois aprendi, na faculdade e na prática, que vivemos no pós-estruturalismo, e, como pós-estruturalistas, podemos fazer nossas escolhas e não nos deixar dominar pelas estruturas, apesar de sermos irremediavelmente influenciados por elas. Podemos, sim, nadar contra a corrente, se quisermos. Não por uma rebeldia sem causa, mas pela causa de algo muito mais complexo, que talvez nem tenha nome.

Podemos escolher ser diferentes exatamente por termos uma causa. E por amarmos apaixonadamente essa causa.

Mas também podemos escolher soltar o corpo e let it be com a correnteza. Podemos continuar confortáveis em nossas latas, em um estado de indolência ininterrupto, como filhos de Macunaíma. Adaptar-se aos rótulos. Escolher imitá-los. Adotá-los como meta e padrão de vida. E isso não te fará pior ou melhor que ninguém, mas, com certeza, você se tornará menos interessante. E mais alienado. E previsível. E irritante. Afinal, quem não se mexe está morto. E tem muita gente enlatada, morta em vida, prestes a ser devorada sem sabor.

Já dizia minha avó, "cada um é cada um". Uma regra não serve se você for a exceção. E você pode ser. Ou pode não ser. Depende de você. Só não me julgue se você for a regra, pois tenho o direito de ser a exceção. E de querer ser diferente. Diferença é escolha, é renúncia, e é complicado - por isso, não é para todo mundo. Mas é para mim. Posso estar pregando no deserto, mas a única coisa com a qual me conformo é que, se eu não mudar o mundo, morrerei tentando.

Ultimato, martelo batido, decisão tomada: não estou com fome de lata. Não hoje. 

Lá vou eu almoçar, que este texto ficou comprido demais.