sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Mais uma de saudade

Sentar no chão pra comer besteira com os amigos: quem nunca fez?
Amigo bom faz falta.

Aquele que abre a sua geladeira. Que empresta suas coisas sem cerimônia. Que te acha um saco, vem, te fala, você acha ruim, mas, no fim, acaba concordando. Que conhece seus podres e seus defeitos melhor do que seus pais. Que enche o saco. Que mexe no seu cabelo e divide um chocolate. Que come brigadeiro direto da panela junto com você. Que combina de dormir num horário, mas, quando vê, já passou das três. Que emenda um, dois, três filmes. Aquele com quem você fala ao telefone, mesmo odiando falar ao telefone. Aquele que dorme na sua casa, assim, por qualquer coisa. Aquele que te liga quando tá mal, e você faz o mesmo. Você liga chorando pra contar que o cachorro morreu. Aquele com quem você fala sobre as coisas mais cabeludas, sem medir palavras, sem medo de julgamentos que todo mundo faz.

Amigo bom não é todo mundo. E, além do mais, há vários níveis de amigos bons. O amigo-companheiro, aquele que divide a vida (e a casa) com você. Tipo um casamento não-romântico. Que estuda na mesma mesa que você, mesmo que você seja de Humanas, e ele, de Exatas. O amigo-besta - aquele que você adora xingar, esmurrar, beliscar, esculachar, e que te faz rir muito. Que te faz esquecer da aula e lotar folhas de caderno com cartoons e conversas idiotas sentimentaloides sobre o fim de semana e o coração. E que te ouve e te abraça. O amigo-por-acaso - aquela amizade em que você não botava lá muita fé, mas que te conquistou de uma maneira bizarra. E que, puf, acabou dando certo.

Ah, o amigo-irmão - espécime rara, relação intrínseca. Aquele que te conhece a alma, mesmo quando tudo o que você mais quer é sumir. O amigo-irmão te conhece o avesso, te descara, te invade e te encurrala com a ironia anestésica da lealdade. Aquele que conversa - ou não conversa; só fica ali, ao seu lado. O que te dá a mão. O espelho invertido, ou o avesso do avesso. Ou o clichê dos clichês, debaixo de sete chaves, do lado esquerdo do peito.

Não me parece muito justo que a vida separe todo mundo, como ela acaba fazendo, muitas das vezes, inevitavelmente, não importam as juras de amizade. Mas a gente promete mandar e-mail quando der, ligar quando der, se falar quando der... e a gente vai dando nosso jeito, mesmo que de vez em umas três quatro cinco vezes por ano mês dia.

A gente vai tentar. E pode ser que dê certo. E a gente vai se esbarrando por aí, a gente combina de, por acaso, se encontrar, agora que nossas vidas tomaram rumos tão diferentes. Eu apareço no casamento. Vou conhecer o bebê. Vou tirar do papel o projeto do churrasco da velha guarda. Vou combinar um bar, um café, um chá das cinco ou de panela. Vou mandar convite, vou chamar para um fim de semana no campo ou na praia, de bobeira.

E a gente se cruza, do jeito que der. Espero que você entenda. E espero que você nunca se esqueça do quanto eu te amo. E que você tenha a certeza de que, "qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar".

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Por que escrever música é mais complicado que escrever

Tenho uma certa inveja desses gênios que conseguem compôr uma música atrás da outra. E não tô falando de qualquer música, não (tipo essas porcarias instantâneas de hoje em dia, apesar da minha crítica clichê). Eu tô falando, por exemplo, dos Beatles, que, em uma só temporada na Índia, escreveram o Álbum Branco. Eu tô falando do Lennon, que lia cartazes de circo e, boom, fazia uma música. Uma música atemporal.

Era fácil demais pra eles, poxa! (Créditos Paul Saltzman)

Canto e componho desde os oito anos. Mas como é complicado compôr! Já passei por muita seca literária desde a época do Rosas, mas era questão de um mês e umas férias pra tudo se resolver numa boa. Não é difícil dizer (e cumprir), "agora vou sentar nessa cadeira e vou escrever um texto, uma poesia, qualquer coisa que me vier à mente". Mas é complicado pegar o violão e dizer, "vou fazer uma música já".

É quase como minha relação com roupas e moda. Costumo dizer que, para que eu compre ou use uma roupa, não sou eu quem a escolhe, mas ela me escolhe. É mais ou menos assim com uma composição. A música vem até mim quando ela bem entende e, por mais que eu a invoque, ela não vai vir até mim se não tiver vontade. E isso não me parece muito justo, essa coisa de "baixar um santo". Mas, comigo, é assim que funciona. Evocando o clássico "Fantasma da Ópera", espero desesperadamente pelo próximo beijo do anjo da música.

Mas não tenho tanta asa assim pra voar até ele e beijá-lo por mim mesma. Quando se trata de compôr, não sei tomar a iniciativa.

Quando eu era criança, tudo parecia mais fácil. Eu tinha acabado de descobrir o que era poesia, e que gostava de poesia, tanto que dizia a todos que queria ser "veterinária e escritora". Só continuei firme no segundo propósito, lógico. Mas continuei firme na música também. Escrevia músicas sobre minha vida, sobre borboletas (a borboleta Zulkira, não me pergunte de onde tirei isso) e gatos, de rock a valsa.

Depois, tive um gap musical de quase nove anos. Continuava me dedicando à poesia e ao canto, aprendi violão... mas não compus mais. Havia me esquecido de que podia compôr. Até que, um dia, dezesseis anos, estressada de tanto estudar para o vestibular, de saco cheio de tudo, numa crise de identidade lascada, escrevi Contratempo. E deu certo. Deu tão certo, que meus amigos começaram a cantar. Gravamos um clipe zoado da música - por pura diversão, falta do que fazer. Totalmente nada a ver com a epifania que eu tive quando escrevi a música, mas valeu. A gente se cobra pra fazer a música dar certo, pra fazê-la ser reconhecida... mas a música dá certo quando tem que dar. Aliás, pra mim, a música dá certo quando ela não morre na metade da composição - abortos musicais, pelos quais passo com certa frequência. Mas, quando a música chega ao fim, você sente aquela realização pessoal de "pô, fiz uma música". "Essa música é minha".

Solução foi escrita na mesma fase vestibular-estresse-crise-de-identidade; tava chovendo de verdade, e a primeira estrofe veio a mim:

A chuva cai lá fora
E dentro do meu coração
E eu aqui, agora, escrevo uma canção


E o violão foi fazendo o resto, e fui cantando sem saber como, por que ou de onde, mas cantei, toquei e anotei os acordes e a letra. E foi. E o refrão virou chiclete na minha turma. Veio outro clipe zoado, à la Mamonas. Mas minhas epifanias pessoais estavam virando música.

De uns dois anos pra cá, andei na fase "parcerias": a mais legal foi quando escrevi Por aí com uma amiga da faculdade, uma música engraçada e triste (engraçada pelo jeito que aconteceu e pelas piadas internas da letra, triste pelo fato que originou a música) sobre uma desilusão amorosa dela. A gente tava conversando sobre o fato e, do nada, ela disse, "pô, isso aí podia virar música", e foi tomar banho.

São essas coisas que me assustam em mim mesma quando dou pra compôr: quinze minutos depois, quando ela saiu do banho, fui mostrar a ela a letra da música - que sentei pra escrever assim que ela entrou no banho.

Aliás, eu escrevi a letra, ela mudou algumas coisas e montamos a melodia juntas, a dois violões. Gravamos e tudo, só não tem vídeo. Acho que essa se tornou minha composição favorita, não só pelo jeito que aconteceu, mas pela qualidade. Parcerias são uma ótima, e muito incentivadoras.

E, terminando este post, acho que entendo por que não é tão fácil para mim escrever música com tanta frequência. Eu dependo de epifanias. De conexões com o mundo ao meu redor. Mas me deixo distrair pela voz rasgada do John Lennon, deitada na cama numa tarde qualquer, de fones de ouvido, como qualquer normal. E me desfaço do mundo, e do tempo, e do espaço, e dos meus próprios questionamentos. E tenho preguiça das epifanias que me fazem mudar. Dá trabalho demais conhecer a si mesmo e tentar entender o mundo.

Finalmente adormeço. E, como uma Bela Adormecida, espero pacientemente pelo beijo do anjo da música. Quando ele me quiser.