quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Uni-duni-tê


Se há algo difícil de ser conquistado nessa vida, é a tal da certeza. Afinal, não nascemos com todas as convicções embutidas na alma (ou no cérebro), e nem mesmo nossos conceitos mais concretos estão imunes à comichão da dúvida. Os dilemas de Machado e Shakespeare estão irritantemente batendo à porta, o tempo todo.

E aí vem ela - aquela vontade de mudar tudo. De novo. Aquela, que vai e volta, mas não passa é nunca.

Tenho tudo de que preciso: a coragem. A oportunidade. A hora certa.

Mas, do outro lado do rio, a incerteza me aguarda. E, acima de tudo, o medo de perder. De me perder. Será mesmo coragem legítima?

Me explica aí, Raul, como é que funciona essa história de "metamorfose ambulante"? E as "velhas opiniões formadas sobre tudo", como é que ficam quando já não te servem mais? Você as guarda num caixote, cheirando a pintura de parede, no meio de uma sala vazia, recém-reformada, ou no fundo de um porão? Me diz, e se você as quiser de volta, alguma hora, por nostalgia ou por pirraça? Como é que você faz?

Será possível abrir mão de uma opinião, assim, tão facilmente, e deixá-la ir, sabendo que é inevitável ser carregado com o fluxo?

Eu tenho lá minhas dúvidas.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Dáktulos

Vão-se os anéis,
ficam-se os vãos.
Anulam-se os dedos,
dão-se as mãos.
saúdam-se todos
os dedos em vão,
dos pés e das mãos.
E, sem anéis, que já se foram,
se saúdam e se vão.
E se vão.

***

Gravata

Gosto de dar-te voltas,
ser seda em teu colarinho,
prender-te, dominar-te,
tocar-te a barba
abraçar-te, abarcar-te.
Batom em tua nuca
a complicar-te com mil nós;
eu gosto é de nós,
às voltas em teu colar;
colar-me a ti, colarinho,
cingir-te, cair pelo peito,
adormecida,
entretecida.

Adoro homem de gravata.

***
Chata eu

Gosto de coisas
que ninguém mais gosta,
poemas longos,
dicionários cavalares,
igreja aos domingos...
Minha música é velha
para alguém da minha idade,
e já fui da sua idade,
antes mesmo de pensar
que teria sempre vinte.
Uma mulher decidida,
tão crucialmente dividida
entre a vitrine e o aluguel
[oh, dívida cruel!]
"A complicada", "a previsível"
- quero ver me decifrar!
Você tá indo,
e eu também;
será que dá certo se a gente
voltar?
Falo muito,
penso alto,
mas gosto de estar
sozinha.
Gosto de ouvir o
vento,
de ouvir o
nada,
de fingir ser uma
estrela-do-rock-decadente-do-século-vinte-e-um-negativo.
Mas a verdade, meu bem,
é que há verdades que não entendo;
apenas creio no que tenho
ouvido,
vivido,
sentido
- sem ter tido!
Se faço sentido,
sou militar;
se não faço,
sou Salomão.
Mas, se um sexto sentido houver nesta vida,
daí, meu bem,
sou Salomé.