sábado, 19 de maio de 2012

Estação Solidão

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Sabem que a solidão tem muita coisa a ensinar. Não a solidão dos Buendía de "Cem anos de solidão" - mas a solidão do cotidiano e das multidões. E ela tem muito a ensinar. Tipo, sobre a vida. Sobre nós mesmos. Tanto quanto amigos e relacionamentos, de uma maneira diferente, com uma intensidade diferente. E intrigante.

Gosto de olhar as pessoas no metrô. Me sinto naquela cena de Across the Universe, em que Jude observa as gentes, as culturas, os tamanhos, os sotaques, as esquisitices e as banalidades, cantando "nothing's gonna change my world" - sem saber que, mesmo esses anônimos, tão não-soberanos sobre nossas vidas e histórias, acabam nos mudando um pouco mais a cada olhada. A cada estação.


Desço do trem, e o fluxo das pernas me leva aonde devo ir. E sigo, obediente, a direção das escadas rolantes - stairways to heaven cotidianas, levando a paraísos um tanto atribulados, onde o tempo é contado em milésimos de segundo.

Atravesso ruas. Copos de café engolem noites e sonos, atiçando o bom-dia. Olho na faixa de pedestres. Pés correm afoitos, apressados, aos galopes. Ou, tão-somente, caminham. Se houver tempo.

Ah, o elevador e seus silêncios estranhos. Ou suas conversas corriqueiras. O "quais são os planos para o fim de semana" é o novo "será que vai chover?". Sorrisos tímidos de anônimos desconfortáveis com a falta de intimidade, mãos torcendo sacos de papel para quebrar o gelo...

E o dia corre sem parar - até o fim do expediente. Mas eu paro quando penso na primavera que está lá fora. Ou quando você passa pela minha mesa - ou pela minha cabeça. Ou quando vejo um cão sorridente na rua. Ou quando vejo algo engraçado ao voltar para casa e não consigo me conter. Ou quando me dou conta de que a maior parte da minha vida está longe demais para ser alcançada pelas minhas mãos.

Terminado o expediente, volto ao metrô. Próxima estação: Solidão. E sigo, costurando por entre incógnita multidão, até chegar do outro lado, incólume - mas não intocada. Esbarrar nas pessoas me faz lembrar que minha única companhia para tais momentos é aquela que tenho pela mão - Solidão, parente próxima da Saudade e da Lágrima.

Por que, então, estou sorrindo?

Voltando para casa, troco o salto alto pelo par de tênis que trago na bolsa. E parece que o dia acabou. E que a semana acabou. Para que outra pudesse apenas começar.

Sorrio torto, pensando no que a próxima semana irá trazer.

sábado, 12 de maio de 2012

Carta aberta à dona Marisa

Na velha Londres de 1990. Certas coisas nunca mudam. Outras, sim.

Eu quase nunca uso este blog. Porque, como se diz: "se não há nada de bom para dizer, não diga". Não que eu não tenha coisas boas para dizer - eu as tenho, até demais, mas não com a expressividade literária que eu gostaria que elas tivessem. Aquela conotação genial que me faz pensar, "poxa, isso vale a pena; vou fazer um post sobre isso".

Não que hoje eu queira ser genial. Hoje eu quero ser filha, só filha - indefesa, nua, ainda com o cordão umbilical, ainda suja de placenta. Hoje eu quero ser fruto, semente e terra. Hoje eu quero celebrar aquela a quem eu tenho - e que é tudo o que tenho.

Que droga; este deve ser, tipo, o quarto ano em que não passo o Dia das mães com a minha mãe.

Apesar de minha mãe ter antecipado a surpresa por achar que eu, de algum modo, me esqueceria dela neste Dia das mães. Porque voei do ninho mais uma vez, a um oceano de distância. Mãe, acho que a única vez em que consegui na vida te fazer uma surpresa foi no discurso dos pais da formatura! Acho que vou desistir de surpresas com você.

E começa a tocar aquela música do Cat Stevens, Father and son. Eu nasci com essa música, na verdade. E a ironia do nome da música nunca foi tão verdadeira. Because I'm a country girl, the only daughter of a single mother, como costumo dizer com o maior orgulho para quem quiser saber. Essa frase daria uma boa letra de música. Mas, por enquanto, rendeu uma boa história de vida - o que não tive de pai, tive de mãe. E uma mãe que não é igual a nenhuma outra.

Ah, que novidade. Agora vêm os clichês: mãe amiga, mãe companheira, mãe-tudo-de-bom-que-houver-nesta-vida, mãe-isso-e-aquilo. Mas minha mãe não é igual a nenhuma outra, e vou dizer por quê.

Ela carrega um mundo nas costas. O meu mundo. Porque, se não fosse por ela, eu não seria. Não seria. Oro por ela todas as noites, para que, um dia, Deus me permita retribuir cada gota de sangue que tenho em meu corpo - gotas que ela derramou em tantos sacrifícios que fez por mim. Gotas de lágrimas (um oceano), de suor (que me alimentou e nutriu por tantos anos) e de preocupação ("já comeu?", "já chegou?", "já tomou seu leite?"). Ela, que sempre cuidou de mim quando eu me esquecia de mim. Ela, que sempre chorou exagerada e copiosamente a cada conquista, e que me defendeu das pancadas da vida quando eu já não podia lutar sozinha - mas que me ensinou a lutar com a vida e a me tornar, pouco a pouco, uma mulher independente.

Mãe, lembra daquele poeminha besta da terceira série que você tanto gostou? Pois eu nunca me esqueci: minha primeira demonstração literária de amor. Reproduzo aqui, um pouco encabulada com minha falta de experiência com as rimas, trechos do poema escolar que escrevi, aos oito anos, para o Dia das mães:

Mãe, linda, eu sempre te amarei,
Assim como a admiro e admirarei.
Você é minha companheira perfeita,
Pois seguirei seus passos,
Assim como guardo
Seus beijos e abraços.


Cada célula, pedaços,
Pedaços meus,
Quando estava fecundando,
Eles também eram seus.


Você é minha rainha,
Minha fada madrinha,
Você é minha querida
Mãezinha.

E, no fim das contas, nos nós tornamos mulheres muito diferentes uma da outra, mãe. Mas nunca conheci melhor e mais fantástica pessoa em minha vida, nem que me entendesse melhor. Nunca conheci alguém tão engraçada, nem que fosse capaz de aguentar tanta coisa sozinha. Você me ensinou o que é ser mulher, e do que uma mulher é capaz. Você é mulher pra caramba, mãe! Você me ensinou a levar a vida a sério - e um pouco menos a sério, também. Você me mostrou que mesmo os momentos mais difíceis podem ser divertidos, e me ensinou a fazer milagres com aquilo que eu tenho. Você me mostrou o que é viver na dependência de Deus, me ensinou a ver o mundo com outros olhos. A me ver melhor.

E eu não sei o que seria de mim sem seus conselhos, ou sem sua amizade, ou sem seu amor indescritível. Porque você sabe que você é a pessoa que eu mais amo em todo o mundo, e o quanto eu tenho orgulho de você. E o quanto eu gostaria de ser a filha que você merece. Eu me esforço, juro. Mas ainda chego lá. Às voltas com minhas inconsistências, e insistências, e dúvidas. Ainda chego lá, enquanto você for meu farol e souber me guiar por entre meus pensamentos, nebulosos tantas vezes.

Eu sempre vou precisar de você. Porque eu sou sua filha, só sua. E você é minha mãe, só minha. E você vai viver para sempre. Eu tenho orgulho de você por quem você é, e quero me tornar uma pessoa como você. Quero ser capaz de enfrentar a vida como você enfrentou. Quero ter o caráter que você tem.

Quero cruzar o oceano num segundo e entrar debaixo das suas cobertas. Quero estar segurando sua mão quando o trovão estourar.

Eu te amo muito. Nem um rio de lágrimas seria capaz de medir meu amor.

For you I'd bleed myself dry.