quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Enquanto esperava,

ela tomava café, sentada na escada da faculdade, olhando o vaivém de gente conhecida, de gente que nunca vira na vida. Os olhos fixos num ponto morto - uns chamam de "olhar para o vazio"; mas seus olhos fitavam uma espécie de infinito.


Já fazia mais de uma hora naquele dia, e já fazia quatro dias que, todas as tardes, ela pegava um café, botava os fones de ouvido e abandonava o corpo e o pensamento naquelas escadarias, naquele mesmo ponto. Gostava de ver a vida passar enquanto esperava. E esperava.

As pessoas comentavam entre si com olhos de piedade e curiosidade, mas ninguém ousava aproximar-se dela e perguntar a quem, ou o quê, esperava. Por que ali, nas escadas? Por que não no café do prédio, sentada numa mesa, como gente normal?

A verdade é que, para ela, tanto fazia o que os outros achassem ou deixassem de achar - só ela sabia o que se passava por aquela cabeça e por aqueles fones de ouvido. Checou o relógio pela décima vez; nada ainda. De novo. Mais um dia. E se ele não viesse? Cinco da tarde, a aula já tinha acabado - mais um dia sem a resposta, o presente, o sonho.

Esperou mais meia hora. E, passada a meia hora, mais quinze minutos. E, por fim, uma adicional tolerância de cinco minutos. O golpe de misericórdia: mais três minutos; prorrogação de um jogo mais feio e sofrido que o da Alemanha. E ela não sabia o que fazer para explicar a si mesma, a Deus, ao raio que a partisse, que, não, ele não viria de novo. Ele não passaria por ali - mudou a rota, se perdeu, sei lá. Mas não adiantava nem chorar, e nem ouvir Radiohead no último volume.

E L E  N Ã O  V E M .

Suspirou fundo, derramou uma grossa lágrima, apanhou suas coisas e saiu, jurando que mataria o primeiro que ousasse tocar no assunto. Ele não vem; pois finados amores não voltam ao mundo dos vivos. Não era ela; sempre havia sido ele. Um amor torto, ruim das pernas, mas não deixava de ser amor. A última palavra da última briga. Nunca mais. Será que tem essa de amor que não dá certo? Ou será que, se não deu certo, é porque não era amor? Ela já se desdisse e se contradisse umas trezentas vezes desde que começou a analisar as perdas e danos do que ficou - ou melhor, passou. E passou? Mas ainda doía.

Foi para casa, mas resolveu que, assim, já não dava para ficar. Não sem ele, que pra tudo se dá jeito; mas ela já não podia se entregar ao fardo de uma dolorosa espera. Velando o morto, seu corpo. Esperando que as feridas se curem. Esperando que ele voltasse. Esperando tudo voltar a ser como sempre foi. Esperando o momento em que se menos espera: o de encontrar a Felicidade, que teima em fugir do Amor. Esperando as perguntas virarem respostas, os is serem pingados e os corações repartidos, ao serem colados os cacos.

Ela estava em frangalhos; mas coração não sabe escolher. Ela tinha que lutar contra o próprio coração e, mesmo em carne viva, escolheu seguir em frente sem olhar para trás. Ajoelhou, chorou, engatinhou, levantou-se, caminhou, até correr. Voar. O mundo voa mais rápido ainda, e o pai Tempo encarregou-se do bálsamo, com toda a sua sabedoria e sagacidade.

Amar é verbo defectivo que não se conjuga no pretérito: não se diz "amou" nem "amei", posto que não morre. Adormece, amortece, aquieta-se como um vulcão adormecido; mas, se morreu, não era amor. Porque Amor e Morte são implacáveis, certeiros, irreversíveis.

Ela ainda não entendia; não sabia conjugar seus verbos, nem contar seus dias - oitocentos e oitenta e cinco felizes, quatro de luto - mas, enquanto não aprendia, resolveu viver. E sobreviveu. Ninguém morre de amor. Mas, por ele, aconteça o que for, podemos sempre escolher viver.