domingo, 18 de dezembro de 2011

Morfina

Acabou. É isso.

isso.

É aquela coisa que você queria tanto, mas tanto, que perdeu a graça. Que você queria tanto que acabasse que, quando acabou de vez, a ficha não caiu, e você ficou anestesiado, assim, por um bom tempo. Não soltou rojão. Não pulou, cantou, dançou ou gritou. Não saiu com os amigos para comemorar - resolveu ficar em casa, vendo séries ou dormindo.

A ficha não caiu. É aquela certeza gostosa de que acabou, que vai penetrando pelas veias como morfina, formigando, aliviando aquela afobação dos anos, trazendo aquela idleness difícil de explicar, aquela paz estranha, doentia, paralisante.

Aquela paz com fundo de coração batendo um pouco mais forte quando o "e agora" passa voando na sua frente, numa fração de segundo. Se acabou, é porque outra coisa tem que começar. Se acabou, é necessário encontrar algo para colocar no lugar. Dizem por aí que é preciso "ir à luta" para poder continuar. Mas como "ir à luta", quando ainda estamos entorpecidos pela morfina da pós-fase? Quando ainda estamos amortecidos e mortos de cansaço? Quando a estrada se bi, tri, polifurca? Quando há várias certas, várias erradas, mas não tem como adivinhar qual é qual?

É meio que assim que funciona: a gente não sabe como funciona. A gente não sabe como vai ser. É esse o efeito da morfina. A gente não sabe o que sente, ou se sente. Só sabemos que, quando o efeito passar, alguma coisa vai acontecer. E a gente vai querer sugar o mundo para dentro de nós.

Enquanto isso, durmo e espero. E, enquanto espero, devaneio. Faz mais sentido para mim.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Ontem, os últimos quatro anos, essa noite que não acaba, e a música já está acabando. De novo.

Eu juro que tento não soar tão pessoal, mas não consigo.

É engraçado pensar nessa coisa de "ontem". Ou melhor, nessa coisa de "os últimos quatro anos".

I wonder why.

Já falei várias vezes sobre deixar tudo para trás. E é estranho. Porque ontem eu estava na faculdade, cruzando os quarteirões a caminho de casa. Porque ontem eu saí de madrugada para ajudar um amigo a sair da fossa. Porque ontem eu estava sentada no chão do quarto, fazendo as unhas. Porque ontem eu estava rindo como uma louca com as meninas que moravam comigo. Porque ontem eu arrumei as malas para voltar para casa no feriado, pela milésima vez.

E, hoje, eu não entendo. Eu não entendo como os anos passaram tão rápido. Nem reconheci meu rosto nas fotos de quatro anos atrás. E tenho medo de meter a cara no mundo e errar, errar feio, irreversivelmente e irrevogavelmente. Porque a gente sabe que ninguém quer errar. Ninguém acha bonito errar, por mais que todo mundo diga que "só se arrepende do que não fez".

Tenho medo de esses rostos amigos, um dia, não fazerem mais sentido. De me perder de todos no tempo, no espaço, no mundo.

O ano só tem mais vinte e quatro dias, o dia só tem mais uma hora e vinte e cinco minutos, a noite mal começou, e eu não tenho tempo a perder. O ontem, o hoje, este exato segundo. O resto da minha vida. A direção em que o mundo gira, em que o sangue corre, em que o vento sopra. Meus caminhos são incertos, as areias não se firmam. As ondas apagam as marcas, eu me perco. E me acho de novo. E de novo, e de novo. Quando vi, já me perdi. De novo, de novo, de novo.

Porque a vida tem dessas coisas, mesmo. Nada é atemporal. As pessoas, os sentimentos, as fases. Tudo é tão complicado. E tento ser cética, realista, inabalável. Mas ainda tenho essa esperança idiota de permanecer eternamente dentro das pessoas, em um pensamento que seja. Em uma marca mais forte que seja. Em uma atitude que só fez sentido naquele exato segundo, mas que não dá para esquecer.

Saudosismo é coisa de velho. E sinto falta de algo que ainda nem deixei. Porque, afinal, o ano ainda tem mais vinte e quatro dias, o dia ainda tem mais uma hora e... dezessete minutos?, a noite já é quase meia, e eu já perdi mais de dez minutos nessa postagem, e já ouvi essa música umas vinte vezes enquanto escrevia.

Geez, Louise.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Nessa terra de gigantes, que trocam vidas por diamantes...

... a juventude é uma banda numa propaganda de refrigerantes. (Terra de gigantes - Engenheiros do Hawaii)

Quando você chega num ponto da vida em que o mundo não te convence.

E desconfio que já cheguei nesse ponto o suficiente para confirmar, mais uma vez, que eu não pertenço a este mundo. Ou vice-versa.

A liberdade se pintou, na verdade, como um personagem grotesco, efusivo, exagerado em nossas mentes. Aquele conceito hollywoodiano de liberdade. A loucura. A subversão. Aliás, o que não é hollywoodiano? Até o rock and roll já é.

Enfim, por incrível que pareça e por mais difícil que me seja admitir isso, versos de um pagode brega me conduzem a uma epifania: "o que é que eu vou fazer com essa tal liberdade?". Se, ao menos, eu soubesse o que pensar dela. Dançar pelado ouvindo rock and roll? Viajar pelo mundo? Andar descalço? Acordar tarde? Virar a noite? Não crer no amanhã? Atravessar a rua sem olhar dos dois lados?

Se nada é real, me diz, onde é que eu tô? Com um pé no mundo, o outro embaixo do edredom. Acho que ainda tô dormindo.

Preciso acordar. Me disseram que a gente tem que ser livre. Ainda dá tempo?

Talvez eu já seja livre. Mas não o bastante para Hollywood. Não o bastante para aquele tipo de desfecho homérico de jovens insanos, correndo pelas ruas, inconsequentes. Não o bastante para ter nascido na década de 70.

Ser livre é tão bonito e colorido.

Talvez a liberdade seja apenas uma metáfora para aquilo que gostaríamos que a vida fosse - mas não é. Porque a vida, no papel ou na tela, tem mais cor e imaginação. E tem música de fundo. Enquanto viver se faz de ruídos cotidianos, aleatórios, repetitivos, irritantes. Irritam, porque nos lembram que a ficção é mais louca, livre e viva do que nossa realidade. Não somos astros do rock: somos o que a vida nos permitiu ser.

A liberdade é uma foto com as cores saturadas.