quinta-feira, 21 de março de 2013

4:04 AM

by Julien Mauve
Hoje eu tive um sonho estranho. Sonhei que você estava beijando outra garota - e você nem gostava dela! Eu até entendo, depois de ficar tanto tempo longe. Você sabe o que dizem: nove meses é muito tempo. É quase um ano. Não que essa longa viagem tenha me dado escolha - antes fosse! Mas não foi fácil para mim vê-lo prestes a beijar aquela garota, no alto de um prédio, após correrem um do outro por brincadeira - para, finalmente, alcançarem-se e matarem a sede um do outro. Realizando uma de minhas fantasias românticas. Como você nunca fez comigo.

Não lembro se você me viu; eu devo ter fugido em desespero. Fui refugiar-me junto às minhas melhores amigas, que me disseram que aquilo tudo era coisa da minha cabeça. Mas a verdade é que elas estavam apenas tentando me fazer sentir melhor; eu sei, pois vi pena nos olhos delas.

Ah, se você soubesse que eu estava de volta, depois de nove meses infinitos... mas logo você vai saber - pelos outros, não por mim. Será que você ainda vai se lembrar daquela tarde de outubro? Será que você vai saber onde enfiar a cara, ou usará sua cara mais deslavada? Ordinário! Será que você ainda vai querer se casar comigo, depois de toda essa palhaçada?

De quem é a culpa? Minha? Sua? Dela? Do tempo-e-distância? Da vida? Algum culpado deve haver. Mas onde ele está?

Puf. Acordei - com o coração partido e muita raiva de você. Olhei no calendário: dos nove meses, ainda faltam seis. E eu me pergunto o que será realidade quando eu estiver de volta.

sábado, 2 de março de 2013

Sobre crayons, guerras e a droga-paixão


Pois digo que primeiro namorado foi feito mesmo é pra gente errar. Não que a gente vá acertar sempre das outras vezes. Mas o primeiro namorado é aquele protodesenho torto na folha de sulfite do jardim de infância. Há tantas cores novas e tantas formas a explorar, e infinitas fantasias a concretizar no universo de um papel branco qualquer, sem-graça e vazio. E agarramos com força aquele giz de cera, tamanho o medo de perder (ou pior, de errar) - desajeitadas, trêmulas, extasiadas. Tão prestes a experimentar uma nova droga e viajar por um universo de cor; por vezes, dor. É a droga-paixão, a pílula vermelha, o pó mágico dos contos de fada.

Foi só então que comecei a desenhar. A última da turma. Queria que fosse especial.

O primeiro namorado é um rabisco confuso, a quem um dia chamei sol, casa, montanha, árvore, papai e mamãe. E eu era um rabisco-princesa loiro, de vestido pink e coroa, logo ali, no canto da folha, à eterna espera do Príncipe de Giz de Cera. E, na minha primitiva imaginação, todos aqueles rabiscos faziam sentido, e se comunicavam, e passavam ao mundo a mensagem do meu talento natural para o amor - que, mais tarde, descobri ser apenas um desastre natural do curso do crescimento.

E comecei a imaginar como seria quando meu lindo rabisco, a que chamava "meu desenho", estaria ali, pendurado na geladeira da cozinha, à vista de todos, com aprovação geral da família - todos estariam admirados tamanha a beleza da minha história de amor. Mas só eu era capaz de decifrar o que cada cor e traço queriam dizer - e ficava tão desapontada quando, ao apresentá-lo aos adultos, tinha de dar longas explicações e intermináveis seminários sobre quem ou o que eram meus rabiscos. Era tudo tão óbvio! Como não eram capazes de enxergar que aquelas duas formas abstratas concretizavam um amor? Como não entendiam que a solidão da Princesa Pink seria compensada com a chegada do Príncipe de Giz de Cera que, um dia, viria do tão distante reino dos conselhos da revista Nova?

Cheguei à conclusão de que ninguém jamais entenderia. Pois eu, e só eu, havia descoberto, inventado e patenteado o amor - e resignei-me a ser um gênio incompreendido, uma romântica incurável, uma drogada à margem de uma sociedade adulta e incompreensiva. Meu amor era tinta invisível: só os inteligentes eram capazes de vê-lo.

Havia uma epidemia na cidade: era tempo de vermelho-paixão, a droga da moda. E eu estava numa bad trip lascada, esculpindo castelos e muros floridos feitos de ar, indo do céu ao inferno em menos de cinco minutos, enxergando céus azuis em natureza morta. Eu pintava meus arcos-íris e meus corações, como fazia sempre; mas chegou o momento em que eu soube que, embora meus rabiscos agora parecessem fazer um pouco mais sentido para o resto do mundo, havia algo em mim que já não estava certo. Senti saudade dos delírios febris, quando os traços faziam todo o sentido do mundo para mim. Para nós dois, talvez. Mas, afinal, a que "nós dois" me refiro, se o Príncipe de Giz de Cera nunca veio?

Era a febre que começava a baixar. O primeiro amor; o pré-amor, que não chega a ser amor, amor - é mais um rito de passagem, um vício difícil de largar, e que, quando acaba, mais parece o fim do mundo, o fim de tudo! E, encurralada e finalmente sã, tive de fazer minha escolha: crescer e deixá-lo ir. Num ímpeto de desespero, rasguei o desenho antes que me arrependesse.

A professora ficou preocupada, chamou meus pais na escola. Meus desenhos estavam escuros demais naquela semana, e você sabe o que dizem os psicólogos: eu estava carente, com problemas, em crise, ou querendo fugir de casa. E era, sim, tudo aquilo, ao mesmo tempo. Mas, quando me perguntaram, desconversei e disse que aquilo era problema meu.

Os anos foram passando. E meus rabiscos viriam a se tornar bonecos de palito, que engordariam em caricaturas gozadas sobre qualquer notícia de jornal, que se tornariam cartuns na faculdade de Artes Plásticas - desenhos sobre tudo, sobre qualquer coisa, de sátiras cruéis sobre os exames de Sociologia a vestidos-objeto-de-desejo vistos na Vogue ou no sonho da noite passada. Eu tinha talento, afinal.

Talvez aquele rabisco não desse mesmo em nada. Mas rabiscos feitos jamais poderão ser apagados completamente - e, se o forem, deixarão marcas no papel. Boas, ruins, incômodas; marcas de algo que não deu certo, que não era para ser - mas foi. E, tudo o que já foi, jamais deixará de ser na história do Tempo, da Humanidade.

Voltei ao jardim de infância numa fração de segundo; olhei ao meu redor. Os desenhos dos colegas, pregados lado a lado num varal. Tantos outros triviais, tristes rabiscos, como o meu ex-rabisco - uns e outros faziam diferentes tipos de casas, meninas de vestido de babados, árvores de frutas vermelhas, e até mesmo grandes borboletas. Possibilidades que eu não havia explorado, ideias que eu não havia tido. Como nuvens num céu repleto de gaivotas ou um rosto feliz no sol poente.

E, hoje, vejo que aquele rabisco se tornou minha linha de apoio para que, um dia, eu voltasse a desenhar. Ousei trocar o crayon e sulfite por carvão e tela. Porque o amor se complica e se intensifica à medida que o experimentamos, até chegar o momento em que, voilá, temos uma obra de arte. Novas formas, novas cores, novas perspectivas, novos traços, filhos de uma mão firme. Minha Monalisa agora sorri de leve, revelando o mistério de alguns traços apagados, outros refeitos. Pois é assim que se segue: amando, errando, apagando e tornando a desenhar.

Mas, se tudo é possível, talvez haja exceções: crianças prodígio na arte do amor. E, diga-se de passagem, crianças-prodígio sempre dão um pouco de medo. Que, na verdade, é meio que uma inveja disfarçada. Mas, se o amor é mesmo um campo de batalha, como dizem, me recuso a acreditar em soldados sem cicatrizes de guerra.