domingo, 30 de dezembro de 2012

Trinta e um do doze.


Vê: eis que ainda há tempo!

Adeus, velho amigo, velho tempo, velho ano! Já não era sem tempo, por mais que eu tenha te pedido encarecidamente, "fica mais um pouquinho". Adeus, amores mal-resolvidos! Adeus, ditos, não ditos, desditos! Adeus, manias irritantes - mas só até eu pegá-las de volta. Adeus, momentos inesquecíveis - a estes, não tão "adeus" assim, já que fiz pingente de todos e, agora, trago-os aqui, atados ao pescoço, junto ao peito, que é para não perdê-los jamais, nem por um instante sequer. Adeus, loucos e enamorados! É hora de pegar o trem e botar o pé na estrada! É hora de acordar para cuspir, de botar o bloco na rua, de botar para quebrar, de dar a cara a tapa, de criar vergonha na cara, de tomar uma atitude - que, para tantos, será apenas a atitude da inércia. Arruma as malas, velho amigo! Junta as tralhas, os tesouros, os trapos e teus últimos centavos furados, e corre! Corre em direção à costa das desilusões, junto aos anos que já partiram! Corre em direção aos outros amigos velhos, sorrisos velhos, alegrias velhas nutridas das lágrimas secas, das águas passadas e dos sóis que se puseram! Corre, que a vida tem pressa!

Mas, antes que te vás, devo dizer-te "obrigada". Sim, pois foste um amor de ano - deveras divertido, fantástico e inovador. Transformaste-me naquela doida imperfeita que gosto de pensar que sou hoje - e que sei que não é quem costumei ser um dia, antes de chegares. Não me trouxeste todas as certezas, nem todos os argumentos em minha defesa neste mundo perdido e louco - mas, embora não me tenhas sido advogado, foste-me professor, terapeuta, chefe e amigo. E tão inesquecível amante! Tanto é que tive medo, tanto medo de perder-te! Implorei mentalmente pela tua eterna permanência, pois foste bom demais até mesmo para seres verdade. Amei-te com amor de errante amante, bebi-te à gota última, e me deixaste com sede. Gostei de verdade de ti; mas conformei-me em perder-te. Aliás, perder-te, não: deixar-te partir. És livre, impetuoso, selvagem e inevitável. E, como tal, não te posso engaiolar.

Vai, voa, perde-te no tempo! Vai errar pelas eras, vai perder-te no espaço, vai voar pelos ares num foguete de artifício! Já não és tu que me deixas, mas eu é que te deixo ir. Eu deixo, pois sei que o farias de qualquer modo se assim eu não o fizesse. Vou-me também, ao cais, à costa, para despedir-me de ti - lenço em punho à beira-mar, qual dramática donzela abandonada por um grande amor do passado. Sim, querido: o sol se pôs. Tu me viste crescer, velho amigo - é minha hora de abrir os braços para um novo ano. Pois vivo de receber esses efêmeros, viajantes amores todos os anos - vai-se um, recebe-se outro. São casos com prazo de validade, paixonites intensas consumadas sob fogos de artifícios e juras inconsequentes, tantas vezes descumpridas.

E, ao novo ano-amor, não farei promessas que não poderei cumprir - afinal, nem sei ainda o que espero ou devo esperar desse novo amor. Por ora, somos eu e tu - e é chegada a hora de dizer-te adeus. E sei que partirás sem olhar para trás. E que não tornarei a (vi)ver-te novamente - nunca mais. Um último aconchego em teus efêmeros braços, um último beijo em teus flamejantes lábios, e eis que tua chama se apaga em mim, para todo o sempre.

Feliz dois mil e nós dois, e feliz ano-amor que está por nascer.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Bye.


Ignorei-te baixinho,
pra não ver passar o tempo
que perdemos e não
volta.

Você, de volta,
já voltou.
Desesperei por tanto tempo,
que desisti.

Too late.
Too bad.
É minha hora de ir,
em boa hora,
má hora:
deixa quieto,
e me deixa em paz.

Como você sempre faz.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Batom


Poemas são como beijos:
às vezes se dão por acaso,
por tédio ou solidão,
ou mesmo por pura vontade,
por querência ou por saudade,
ou desejo de iludir.

Seduzir-te com um verso
foi meu capricho cruel,
pois maculei nosso amor
com meus lábios no papel.
Retirei o nosso excesso,
vermelhos são nossos versos,
borrados beijos sem perdão:
desejo e reparação.

Meu verso é filho do tédio,
sem métrica sistemática:
é beijo que balbucia
qualquer balela pragmática,
pois o que vale é a intenção
dos beijos-versos que soprei.
E o que nos resta é o coração,
que recém-despedacei.

Dane-se o beijo,
dane-se o mundo,
dane-se o verso,
manchei nosso amor.
Boa noite, querido,
matei-te em meus lábios:
sem
rima,
sem
beijo,
sem
beira,
nem
eira,
nem
volta.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Esqueça.


Eu me conformei com não ter você. Desde muito antes da última vez em que te vi.

Assim como eu me conformei com não ter 1,75m e ser uma super modelo, ou com a chuva que estragou meus planos para o fim de semana, ou com as intermináveis, cotidianas horas no trem, ou com as leis da Física, que regem minha vida com ou sem minha permissão, ou com as escolhas que fiz e que não fiz. Eu me conformei com tudo isso - e me conformei com não ter você.

Afinal, não há como mudar certas coisas. E, com essas coisas, a gente tem de se conformar.

Dias, semanas e meses. Paraísos imaginários e ímpetos de fúria. Como quando apaguei todas as suas mensagens de uma vez. Para, depois daquela festa, sair dançando pelas ruas vazias, embriagada de um carinho besta. Como quando, finalmente, consegui te olhar fundo nos olhos - redondos, expressivos, quentes - olhos de madeira, de lareira. Como quando você sorri desconcertado, simpático sempre, até para as paredes - o que tanto me seduz e, mais ainda, me irrita.

Hiato. Acho que perdi um amigo. De você, só me restou uma simpatia formal e diplomática - a mesma que você oferece a quem interessar, ou mesmo às paredes - acompanhada sempre de desculpas esfarrapadas. E, nesse vácuo, sigo inerte em direção ao infinito - você ficou pelo caminho, perdido em algum lugar no espaço.

Hoje somos dois estranhos - semi-conhecidos, talvez. Mas, pensando bem, a gente não faria mesmo o menor sentido - eu, temperamental, você, bipolar. Nem opostos, nem avessos - talvez não sejamos compatíveis. Ou, talvez, simplesmente "não era para ser". Ou era, e nós nos perdemos no caminho?

E eu me pergunto como será quando você voltar daquela viagem - você provavelmente vai entrar por aquela porta como todas as manhãs, com seu chapéu de inverno e seus mesmos olhos de garoto no rosto perfeito de homem feito. Nós ainda seremos os mesmos, e vamos continuar a fazer as mesmas coisas de sempre e viver da mesma maneira - até que um novo momento chegue e mude tudo outra vez.

E ele chegou: o famigerado, irreversível, inevitável momento de seguirmos nossos caminhos. Porque, um dia, eu sei, eu serei um pouco menos cética, e você será um pouco menos frio. Nós vamos conhecer pessoas bacanas que nos completem, vamos nos apaixonar de verdade, vamos aderir ao pacote família-filhos-e-tal, vamos começar a dormir mais cedo, vamos começar a pensar em nomes de criança, vamos mudar nossas prioridades e estabelecer novas metas... talvez até mesmo viver o clichê da felicidade, cada um com seu bem-querer.

Até, por fim, esmaecermos na memória um do outro, tornando-nos memórias corriqueiras - marcas d'água desbotadas no fundo do passado, de tudo o que vivemos.

Você não foi o primeiro, nem será o último. A vida vai e vem, e essas coisas de desejo, emoção e sentimento continuarão a se confundir e a se misturar, como sempre fizeram, desde que o mundo é mundo. E, com isso, eu já me conformei há muito, muito tempo.

sábado, 24 de novembro de 2012

Galáxia


Texto escrito em um celular, entre mil devaneios de céus da Grand Central.

Eu quero é ficar da cor do céu da Grand Central.

A atmosfera apaixonada das luzes baixas, os zodíacos estrelados tatuando o céu de gesso, os intrigantes arabescos confundindo-se com minhas cismas... Enlace perfeito de solidão e ócio. O ruído mudo das multidões apressadas, fugindo e correndo do mundo e do tempo, com pressa de chegar a qualquer lugar de Nova York. Correm sempre, aos solavancos, mesmo em um fim de semana à toa. Rodas roçam o chão - privilégio da malaria móvel e sorte de quem a carrega. Mas há também discretas malinhas e mochilas, que, por sua vez, flutuam em sua praticidade e discrição, sem alarde ou arrastação. Corre povo, corre gente... mas há ainda quem passeie sem tanta pressa nem hora de chegar.

Varro com os olhos a poeira cósmica das estrelas que tatuam o azul - pirlimpimpim americanizado, mas que, garanto, não invalidará a energia do desejo, da prece que estou prestes a fazer: eu só quero ser a cor do céu da Grand Central - misteriosa e simples, psicodélica e pseudo-mágica, fotográfica megalomania, golfão de cismas dos apressados, musa dos poetas urbanos, remédio dos olhos dos que viajam e correm, ou que, tão sós e tão-somente, passeiam, e param, e se deixam perder para sempre, na infinidade de um ou de um milhão de milésimos de segundo, na cor do céu da Grand Central.

sábado, 19 de maio de 2012

Estação Solidão

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Sabem que a solidão tem muita coisa a ensinar. Não a solidão dos Buendía de "Cem anos de solidão" - mas a solidão do cotidiano e das multidões. E ela tem muito a ensinar. Tipo, sobre a vida. Sobre nós mesmos. Tanto quanto amigos e relacionamentos, de uma maneira diferente, com uma intensidade diferente. E intrigante.

Gosto de olhar as pessoas no metrô. Me sinto naquela cena de Across the Universe, em que Jude observa as gentes, as culturas, os tamanhos, os sotaques, as esquisitices e as banalidades, cantando "nothing's gonna change my world" - sem saber que, mesmo esses anônimos, tão não-soberanos sobre nossas vidas e histórias, acabam nos mudando um pouco mais a cada olhada. A cada estação.


Desço do trem, e o fluxo das pernas me leva aonde devo ir. E sigo, obediente, a direção das escadas rolantes - stairways to heaven cotidianas, levando a paraísos um tanto atribulados, onde o tempo é contado em milésimos de segundo.

Atravesso ruas. Copos de café engolem noites e sonos, atiçando o bom-dia. Olho na faixa de pedestres. Pés correm afoitos, apressados, aos galopes. Ou, tão-somente, caminham. Se houver tempo.

Ah, o elevador e seus silêncios estranhos. Ou suas conversas corriqueiras. O "quais são os planos para o fim de semana" é o novo "será que vai chover?". Sorrisos tímidos de anônimos desconfortáveis com a falta de intimidade, mãos torcendo sacos de papel para quebrar o gelo...

E o dia corre sem parar - até o fim do expediente. Mas eu paro quando penso na primavera que está lá fora. Ou quando você passa pela minha mesa - ou pela minha cabeça. Ou quando vejo um cão sorridente na rua. Ou quando vejo algo engraçado ao voltar para casa e não consigo me conter. Ou quando me dou conta de que a maior parte da minha vida está longe demais para ser alcançada pelas minhas mãos.

Terminado o expediente, volto ao metrô. Próxima estação: Solidão. E sigo, costurando por entre incógnita multidão, até chegar do outro lado, incólume - mas não intocada. Esbarrar nas pessoas me faz lembrar que minha única companhia para tais momentos é aquela que tenho pela mão - Solidão, parente próxima da Saudade e da Lágrima.

Por que, então, estou sorrindo?

Voltando para casa, troco o salto alto pelo par de tênis que trago na bolsa. E parece que o dia acabou. E que a semana acabou. Para que outra pudesse apenas começar.

Sorrio torto, pensando no que a próxima semana irá trazer.

sábado, 12 de maio de 2012

Carta aberta à dona Marisa

Na velha Londres de 1990. Certas coisas nunca mudam. Outras, sim.

Eu quase nunca uso este blog. Porque, como se diz: "se não há nada de bom para dizer, não diga". Não que eu não tenha coisas boas para dizer - eu as tenho, até demais, mas não com a expressividade literária que eu gostaria que elas tivessem. Aquela conotação genial que me faz pensar, "poxa, isso vale a pena; vou fazer um post sobre isso".

Não que hoje eu queira ser genial. Hoje eu quero ser filha, só filha - indefesa, nua, ainda com o cordão umbilical, ainda suja de placenta. Hoje eu quero ser fruto, semente e terra. Hoje eu quero celebrar aquela a quem eu tenho - e que é tudo o que tenho.

Que droga; este deve ser, tipo, o quarto ano em que não passo o Dia das mães com a minha mãe.

Apesar de minha mãe ter antecipado a surpresa por achar que eu, de algum modo, me esqueceria dela neste Dia das mães. Porque voei do ninho mais uma vez, a um oceano de distância. Mãe, acho que a única vez em que consegui na vida te fazer uma surpresa foi no discurso dos pais da formatura! Acho que vou desistir de surpresas com você.

E começa a tocar aquela música do Cat Stevens, Father and son. Eu nasci com essa música, na verdade. E a ironia do nome da música nunca foi tão verdadeira. Because I'm a country girl, the only daughter of a single mother, como costumo dizer com o maior orgulho para quem quiser saber. Essa frase daria uma boa letra de música. Mas, por enquanto, rendeu uma boa história de vida - o que não tive de pai, tive de mãe. E uma mãe que não é igual a nenhuma outra.

Ah, que novidade. Agora vêm os clichês: mãe amiga, mãe companheira, mãe-tudo-de-bom-que-houver-nesta-vida, mãe-isso-e-aquilo. Mas minha mãe não é igual a nenhuma outra, e vou dizer por quê.

Ela carrega um mundo nas costas. O meu mundo. Porque, se não fosse por ela, eu não seria. Não seria. Oro por ela todas as noites, para que, um dia, Deus me permita retribuir cada gota de sangue que tenho em meu corpo - gotas que ela derramou em tantos sacrifícios que fez por mim. Gotas de lágrimas (um oceano), de suor (que me alimentou e nutriu por tantos anos) e de preocupação ("já comeu?", "já chegou?", "já tomou seu leite?"). Ela, que sempre cuidou de mim quando eu me esquecia de mim. Ela, que sempre chorou exagerada e copiosamente a cada conquista, e que me defendeu das pancadas da vida quando eu já não podia lutar sozinha - mas que me ensinou a lutar com a vida e a me tornar, pouco a pouco, uma mulher independente.

Mãe, lembra daquele poeminha besta da terceira série que você tanto gostou? Pois eu nunca me esqueci: minha primeira demonstração literária de amor. Reproduzo aqui, um pouco encabulada com minha falta de experiência com as rimas, trechos do poema escolar que escrevi, aos oito anos, para o Dia das mães:

Mãe, linda, eu sempre te amarei,
Assim como a admiro e admirarei.
Você é minha companheira perfeita,
Pois seguirei seus passos,
Assim como guardo
Seus beijos e abraços.


Cada célula, pedaços,
Pedaços meus,
Quando estava fecundando,
Eles também eram seus.


Você é minha rainha,
Minha fada madrinha,
Você é minha querida
Mãezinha.

E, no fim das contas, nos nós tornamos mulheres muito diferentes uma da outra, mãe. Mas nunca conheci melhor e mais fantástica pessoa em minha vida, nem que me entendesse melhor. Nunca conheci alguém tão engraçada, nem que fosse capaz de aguentar tanta coisa sozinha. Você me ensinou o que é ser mulher, e do que uma mulher é capaz. Você é mulher pra caramba, mãe! Você me ensinou a levar a vida a sério - e um pouco menos a sério, também. Você me mostrou que mesmo os momentos mais difíceis podem ser divertidos, e me ensinou a fazer milagres com aquilo que eu tenho. Você me mostrou o que é viver na dependência de Deus, me ensinou a ver o mundo com outros olhos. A me ver melhor.

E eu não sei o que seria de mim sem seus conselhos, ou sem sua amizade, ou sem seu amor indescritível. Porque você sabe que você é a pessoa que eu mais amo em todo o mundo, e o quanto eu tenho orgulho de você. E o quanto eu gostaria de ser a filha que você merece. Eu me esforço, juro. Mas ainda chego lá. Às voltas com minhas inconsistências, e insistências, e dúvidas. Ainda chego lá, enquanto você for meu farol e souber me guiar por entre meus pensamentos, nebulosos tantas vezes.

Eu sempre vou precisar de você. Porque eu sou sua filha, só sua. E você é minha mãe, só minha. E você vai viver para sempre. Eu tenho orgulho de você por quem você é, e quero me tornar uma pessoa como você. Quero ser capaz de enfrentar a vida como você enfrentou. Quero ter o caráter que você tem.

Quero cruzar o oceano num segundo e entrar debaixo das suas cobertas. Quero estar segurando sua mão quando o trovão estourar.

Eu te amo muito. Nem um rio de lágrimas seria capaz de medir meu amor.

For you I'd bleed myself dry.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Taimelaine

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Cansei de tanta
Discrepância
Pedância
Intolerância
De não saber o que
quero,
e como, e quando, e quem,
e dessa falta de sono
internáutica,
galática taimelaine,
perdida no ciberespaço.

Nem sei o que (te quero),
sei?
Eu quero é ser tua,
nem que seja
(ou não seja)
do portão pra dentrofora,
entre quatro parênteses
ou em 160 caracteres
de um SMS.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Fantasmas

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Para ouvir: High and dry - Radiohead
Era ela, acordando às nove, com um sentimento esquisito em relação à noite passada.

Ou melhor, sem sentimento nenhum. Como se tentasse acordar de um sonho, sem sucesso. Como se se beliscasse desesperadamente, procurando sentir qualquer dor. Nada. Nem dor, nem cócega, nem sensibilidade. Nada.

Fora dormir ressentida, arrependida como sempre - embora desta vez tivesse sido diferente, como tem sido há algum tempo desde que ela o reencontrara. A mesma encrenca de sempre.

Mas ela não queria encrenca. Não mais. Ela queria deixar de ser tão complicada e insegura, refém de seu caráter sempre tão premeditado, cauteloso até. Menos do que parecia, mais do que ela gostaria. Ou o contrário.

De bruços, virou-se de lado, como um morto entregando-se de vez à agonia. "Meu Deus." O coração disparou. Os olhos arderam, como na noite passada.

Seus fantasmas ainda a perseguiam. E ela não queria admitir.

"Você é uma garota imatura. E insegura. E você sabe disso."

Aos vinte e três. Imatura. Insegura. Adulta, coisa nenhuma. Um paradoxo vivo. Com suas três tatuagens, seus cabelos curtos e sua porcaria de independência aparente, não sabia o que realmente queria. Cegada pela razão, tornou-se incapaz de tomar certas decisões com o coração. Ou seria o contrário?

Sua vida era uma canção do Radiohead. E ela estava em carne viva outra vez.

E começou a se lembrar dos julgamentos da adolescência, dos rótulos da infância, e do quão péssima ela era em relacionamentos. Em se entender. Na contraditória e impossível obrigação pregada pelos subversivos de "não se preocupar com o que os outros pensam" - sem deixar de se importar com as pessoas, em nome da filantropia, sabe como é.

E se cansou de viver às voltas com suas crises de humor, com seus altos e baixos, entre a vontade de ter cabelos longo-hippie e cortar joãozinho. Cansou de pensar tanto na vida, mas sabia que inconsequência é o sobrenome da burrice. Cansou de se julgar tanto, de se analisar tanto, de sentir dor por ver seus fantasmas voltando. Medo de não ser compreendida. De não se compreender.

Toca o celular. Mensagem. Ele. Ela não vai responder. Nem hoje, nem amanhã. Não até que ela consiga afugentar novamente seus fantasmas por mais um bom tempo. Porque eles sempre voltam. Eles sempre voltam.

domingo, 11 de março de 2012

Música!

Então, gente, lembram-se que eu falei da música "Por aí", que compus com minha amiga @raira_machado, num post antigo?

Pois é, aqui está ela. Have fun! :)


quarta-feira, 7 de março de 2012

Sopa Campbell, pós-estruturalismo e a ditadura dos rótulos

Vi muitos enlatados nas prateleiras. Enlatados são práticos, pois não há necessidade de se adicionar nenhuma identidade gastronômica a eles - o tempero da vovó, o azeite espanhol extra-virgem, o cheiro-verde do quintal de casa, o alho picado fininho... Eles já vêm prontos - é só esquentar e, voilà, temos uma deliciosa sopa Campbell (como em meus áureos tempos de faculdade nos EUA). Ok, não é deliciosa - assim como macarrão instantâneo, apenas "dá para o gasto" e alimenta por algumas horas.

Enlatados mil, de todas as marcas, para todos os gostos, de todos os tipos. Enlatados-homens, enlatados-mulheres, enlatados-crianças, enlatados-minorias - e maiorias. Enlatados-pequenos-burgueses, enlatados-latifundiários, enlatados-trabalhadores-da-classe, enlatadas. Feministas, gordos, imbecis, alienados, militantes, intelectuais, humildes, arrogantes, mães-de-família, homens-de-bem...

(do site roquenrou.com) Claro! O que mais se poderia esperar de uma superstar?
Rótulos identificando pessoas. Taxando pessoas. Ideologias a perder de vista, a preços acessíveis. É o mercado ideológico da sociedade: rótulos contendo informações sobre o produto-humano, do qual espera-se não apresentar a mínima variação de sabor-pensamento-atitude. Se o rótulo diz "mãe-de-família", isso é tudo o que você vai encontrar na lata; um personagem plano, de identidade uniforme, sem a menor variação ou profundidade psicológica. Como o brutamontes que não pode gostar de balé. Ou como a menina bem-comportada que não pode jogar futebol. Ou como o bicho-grilo que, com certeza, é chegado numa baderna.

Mas extratos Elefante não trazem elefantes verdes dentro das latas. Fomos enganados, afinal? Será que a ditadura dos rótulos não é bem o que se vende?

Rótulos vendem estereótipos. Como a caixa de seleta de legumes que traz, na vertical, em letras miúdas, no canto da foto dos grãos de ervilha e milho, a frase "imagem ilustrativa". A sopa Campbell parece sempre mais apetitosa na ilustração, com pedaços suculentos de legumes e carne, cores saturadas e truques de fotografia. Sempre idealizada e vendida como "a autêntica sopa Campbell". E, ao abrirmos a lata, percebemos que a realidade não corresponde bem à "imagem ilustrativa". Conformados, tomamos a sopa concreta, pensando na sopa abstrata do rótulo. Uma outra sopa.

Nós também vestimos rótulos. Pois vivemos em um século chamado "Alienação" - e não venha me julgar de bicho-grilo: eu sei que não vivemos mais na década de 70, nem estou protestando contra a Guerra do Vietnã. Moralista é a mãe, e nem estou dizendo novidade alguma - afinal, originalidade virou elefante branco.

Rótulos são generalizações disfarçadas de constatações. Por exemplo: "todo homem é assim", "mulheres nasceram para ser mães", "adolescentes são imaturos", "religiosos são fanáticos", "gringos são sem-noção", "de acordo com as estatísticas"...

"Arianos são superiores". Isso te lembra alguém?
Será que a coisa é bem assim? "Ah, mas a maioria..." A maioria que você conhece, ou a maioria que realmente é?

Como vamos saber se todas as latas da prateleira são apenas mais do mesmo?

Apesar de, às vezes, sentir vergonha, até que gosto de ser humana, para variar. Pois nada me tira a certeza de que, no fundo, humanos não precisam ser rotulados, apesar de muitos não se importarem em vestir esses rótulos pré-estabelecidos pela sociedade. E me vejo de volta às carteiras da faculdade, em uma intrigante aula sobre Estruturalismo: os seres humanos são dominados por estruturas. E são essas estruturas que constroem suas identidades.

IdentidadeS, disse bem. Pois todo ser humano é composto não por uma, mas por várias identidades. E identidade é o contrário de rótulo: rótulo é julgamento, e não realidade. A lata de leite condensado pode até mostrar um pudim no rótulo, mas você pode resolver fazer brigadeiro - ou comer leite condensado de colher. Um grão de milho verde dentro da lata pode estar mais ou menos torto, esmagado e mole do que os outros. A safra da ervilha deste ano pode estar mais saborosa do que a do ano passado. Ou, de repente, a sopa está com um gosto diferente, porque você esqueceu de checar a validade.

Quais são as nossas condições de produção? Quantas estruturas nos atravessam? Quantas estradas um homem deve andar antes que possa ser considerado um, Mr. Dylan?

O que nos faz ser tão radicalmente diferentes de todos os nossos semelhantes?

Nossas identidades. Inúmeras, complexas e improváveis identidades. Assim como nossas escolhas, que podem contrariar uma regra alienada, uma generalização burra - sim, sou pleonástica. Pois aprendi, na faculdade e na prática, que vivemos no pós-estruturalismo, e, como pós-estruturalistas, podemos fazer nossas escolhas e não nos deixar dominar pelas estruturas, apesar de sermos irremediavelmente influenciados por elas. Podemos, sim, nadar contra a corrente, se quisermos. Não por uma rebeldia sem causa, mas pela causa de algo muito mais complexo, que talvez nem tenha nome.

Podemos escolher ser diferentes exatamente por termos uma causa. E por amarmos apaixonadamente essa causa.

Mas também podemos escolher soltar o corpo e let it be com a correnteza. Podemos continuar confortáveis em nossas latas, em um estado de indolência ininterrupto, como filhos de Macunaíma. Adaptar-se aos rótulos. Escolher imitá-los. Adotá-los como meta e padrão de vida. E isso não te fará pior ou melhor que ninguém, mas, com certeza, você se tornará menos interessante. E mais alienado. E previsível. E irritante. Afinal, quem não se mexe está morto. E tem muita gente enlatada, morta em vida, prestes a ser devorada sem sabor.

Já dizia minha avó, "cada um é cada um". Uma regra não serve se você for a exceção. E você pode ser. Ou pode não ser. Depende de você. Só não me julgue se você for a regra, pois tenho o direito de ser a exceção. E de querer ser diferente. Diferença é escolha, é renúncia, e é complicado - por isso, não é para todo mundo. Mas é para mim. Posso estar pregando no deserto, mas a única coisa com a qual me conformo é que, se eu não mudar o mundo, morrerei tentando.

Ultimato, martelo batido, decisão tomada: não estou com fome de lata. Não hoje. 

Lá vou eu almoçar, que este texto ficou comprido demais.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Mais uma de saudade

Sentar no chão pra comer besteira com os amigos: quem nunca fez?
Amigo bom faz falta.

Aquele que abre a sua geladeira. Que empresta suas coisas sem cerimônia. Que te acha um saco, vem, te fala, você acha ruim, mas, no fim, acaba concordando. Que conhece seus podres e seus defeitos melhor do que seus pais. Que enche o saco. Que mexe no seu cabelo e divide um chocolate. Que come brigadeiro direto da panela junto com você. Que combina de dormir num horário, mas, quando vê, já passou das três. Que emenda um, dois, três filmes. Aquele com quem você fala ao telefone, mesmo odiando falar ao telefone. Aquele que dorme na sua casa, assim, por qualquer coisa. Aquele que te liga quando tá mal, e você faz o mesmo. Você liga chorando pra contar que o cachorro morreu. Aquele com quem você fala sobre as coisas mais cabeludas, sem medir palavras, sem medo de julgamentos que todo mundo faz.

Amigo bom não é todo mundo. E, além do mais, há vários níveis de amigos bons. O amigo-companheiro, aquele que divide a vida (e a casa) com você. Tipo um casamento não-romântico. Que estuda na mesma mesa que você, mesmo que você seja de Humanas, e ele, de Exatas. O amigo-besta - aquele que você adora xingar, esmurrar, beliscar, esculachar, e que te faz rir muito. Que te faz esquecer da aula e lotar folhas de caderno com cartoons e conversas idiotas sentimentaloides sobre o fim de semana e o coração. E que te ouve e te abraça. O amigo-por-acaso - aquela amizade em que você não botava lá muita fé, mas que te conquistou de uma maneira bizarra. E que, puf, acabou dando certo.

Ah, o amigo-irmão - espécime rara, relação intrínseca. Aquele que te conhece a alma, mesmo quando tudo o que você mais quer é sumir. O amigo-irmão te conhece o avesso, te descara, te invade e te encurrala com a ironia anestésica da lealdade. Aquele que conversa - ou não conversa; só fica ali, ao seu lado. O que te dá a mão. O espelho invertido, ou o avesso do avesso. Ou o clichê dos clichês, debaixo de sete chaves, do lado esquerdo do peito.

Não me parece muito justo que a vida separe todo mundo, como ela acaba fazendo, muitas das vezes, inevitavelmente, não importam as juras de amizade. Mas a gente promete mandar e-mail quando der, ligar quando der, se falar quando der... e a gente vai dando nosso jeito, mesmo que de vez em umas três quatro cinco vezes por ano mês dia.

A gente vai tentar. E pode ser que dê certo. E a gente vai se esbarrando por aí, a gente combina de, por acaso, se encontrar, agora que nossas vidas tomaram rumos tão diferentes. Eu apareço no casamento. Vou conhecer o bebê. Vou tirar do papel o projeto do churrasco da velha guarda. Vou combinar um bar, um café, um chá das cinco ou de panela. Vou mandar convite, vou chamar para um fim de semana no campo ou na praia, de bobeira.

E a gente se cruza, do jeito que der. Espero que você entenda. E espero que você nunca se esqueça do quanto eu te amo. E que você tenha a certeza de que, "qualquer dia, amigo, a gente vai se encontrar".

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Por que escrever música é mais complicado que escrever

Tenho uma certa inveja desses gênios que conseguem compôr uma música atrás da outra. E não tô falando de qualquer música, não (tipo essas porcarias instantâneas de hoje em dia, apesar da minha crítica clichê). Eu tô falando, por exemplo, dos Beatles, que, em uma só temporada na Índia, escreveram o Álbum Branco. Eu tô falando do Lennon, que lia cartazes de circo e, boom, fazia uma música. Uma música atemporal.

Era fácil demais pra eles, poxa! (Créditos Paul Saltzman)

Canto e componho desde os oito anos. Mas como é complicado compôr! Já passei por muita seca literária desde a época do Rosas, mas era questão de um mês e umas férias pra tudo se resolver numa boa. Não é difícil dizer (e cumprir), "agora vou sentar nessa cadeira e vou escrever um texto, uma poesia, qualquer coisa que me vier à mente". Mas é complicado pegar o violão e dizer, "vou fazer uma música já".

É quase como minha relação com roupas e moda. Costumo dizer que, para que eu compre ou use uma roupa, não sou eu quem a escolhe, mas ela me escolhe. É mais ou menos assim com uma composição. A música vem até mim quando ela bem entende e, por mais que eu a invoque, ela não vai vir até mim se não tiver vontade. E isso não me parece muito justo, essa coisa de "baixar um santo". Mas, comigo, é assim que funciona. Evocando o clássico "Fantasma da Ópera", espero desesperadamente pelo próximo beijo do anjo da música.

Mas não tenho tanta asa assim pra voar até ele e beijá-lo por mim mesma. Quando se trata de compôr, não sei tomar a iniciativa.

Quando eu era criança, tudo parecia mais fácil. Eu tinha acabado de descobrir o que era poesia, e que gostava de poesia, tanto que dizia a todos que queria ser "veterinária e escritora". Só continuei firme no segundo propósito, lógico. Mas continuei firme na música também. Escrevia músicas sobre minha vida, sobre borboletas (a borboleta Zulkira, não me pergunte de onde tirei isso) e gatos, de rock a valsa.

Depois, tive um gap musical de quase nove anos. Continuava me dedicando à poesia e ao canto, aprendi violão... mas não compus mais. Havia me esquecido de que podia compôr. Até que, um dia, dezesseis anos, estressada de tanto estudar para o vestibular, de saco cheio de tudo, numa crise de identidade lascada, escrevi Contratempo. E deu certo. Deu tão certo, que meus amigos começaram a cantar. Gravamos um clipe zoado da música - por pura diversão, falta do que fazer. Totalmente nada a ver com a epifania que eu tive quando escrevi a música, mas valeu. A gente se cobra pra fazer a música dar certo, pra fazê-la ser reconhecida... mas a música dá certo quando tem que dar. Aliás, pra mim, a música dá certo quando ela não morre na metade da composição - abortos musicais, pelos quais passo com certa frequência. Mas, quando a música chega ao fim, você sente aquela realização pessoal de "pô, fiz uma música". "Essa música é minha".

Solução foi escrita na mesma fase vestibular-estresse-crise-de-identidade; tava chovendo de verdade, e a primeira estrofe veio a mim:

A chuva cai lá fora
E dentro do meu coração
E eu aqui, agora, escrevo uma canção


E o violão foi fazendo o resto, e fui cantando sem saber como, por que ou de onde, mas cantei, toquei e anotei os acordes e a letra. E foi. E o refrão virou chiclete na minha turma. Veio outro clipe zoado, à la Mamonas. Mas minhas epifanias pessoais estavam virando música.

De uns dois anos pra cá, andei na fase "parcerias": a mais legal foi quando escrevi Por aí com uma amiga da faculdade, uma música engraçada e triste (engraçada pelo jeito que aconteceu e pelas piadas internas da letra, triste pelo fato que originou a música) sobre uma desilusão amorosa dela. A gente tava conversando sobre o fato e, do nada, ela disse, "pô, isso aí podia virar música", e foi tomar banho.

São essas coisas que me assustam em mim mesma quando dou pra compôr: quinze minutos depois, quando ela saiu do banho, fui mostrar a ela a letra da música - que sentei pra escrever assim que ela entrou no banho.

Aliás, eu escrevi a letra, ela mudou algumas coisas e montamos a melodia juntas, a dois violões. Gravamos e tudo, só não tem vídeo. Acho que essa se tornou minha composição favorita, não só pelo jeito que aconteceu, mas pela qualidade. Parcerias são uma ótima, e muito incentivadoras.

E, terminando este post, acho que entendo por que não é tão fácil para mim escrever música com tanta frequência. Eu dependo de epifanias. De conexões com o mundo ao meu redor. Mas me deixo distrair pela voz rasgada do John Lennon, deitada na cama numa tarde qualquer, de fones de ouvido, como qualquer normal. E me desfaço do mundo, e do tempo, e do espaço, e dos meus próprios questionamentos. E tenho preguiça das epifanias que me fazem mudar. Dá trabalho demais conhecer a si mesmo e tentar entender o mundo.

Finalmente adormeço. E, como uma Bela Adormecida, espero pacientemente pelo beijo do anjo da música. Quando ele me quiser.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Na corda bamba

Para ouvir: A day in life, The Beatles

Já estou virando PhD em decisões drásticas, life-changing, e dramas do gênero. Coisas que testam minha paciência, mas que têm se tornado para mim naturais como respirar.

Não que isso me impeça de arrancar os cabelos de vez em quando. Ainda é difícil viver os dias como se fossem os mesmos.

Tá, eu não arranco. Nem as unhas eu roo mais. Mas vejo as semanas se arrastarem em um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete mil "mississipis" toda vez em que a estrada se bifurca.

É claro que já teve vez em que não aguentei e mandei, no duro, uma verdade. Porque não há nada mais sofrido e arrastado do que decisão não tomada. A pior das consequências não será tão ruim quanto aquela agonia do "vai ou racha". E, no fim, a gente sempre sobrevive. A menos que você seja   um mulherzinha. E eu não sou mulherzinha.

Tá, só um pouco. Mas, ainda assim, sou mais macho que muito marmanjo chorão.

Ok, decisões que podemos tomar são até fáceis de resolver: você diz "sim" ou "não" a hora que quiser (teoricamente, é claro, e quando não há mais ninguém envolvido). O problema é quando um TERCEIRO fator irá decidir sua vida. Quando cabe ao tal terceiro te dar a notícia-bomba (ou não):

"Você passou no vestibular."
"Você está demitido."
"Você vai ser pai!"
"Você não tem câncer"
"Seu cachorro morreu."
"Deu amarelo, não vermelho."

Foi, rachou, acabou. Ficou duro de engolir, e você não sabe por onde começar o "daqui para frente".

E agora?
Mas você começa. E segue, e vive, e se vira. Porque a vida tem mesmo dessas. E a gente só faz as escolhas que ela permite que a gente faça, quando ela se bifurca. E a gente se multiplica em mil pedaços, se vira do avesso e atravessa a semana nessa corda bamba. E, se a gente cair, morre uma parte de nós. Mas, se a gente chegar ao fim, alguma coisa fica para trás.

Não há como escapar da mudança irreversível e irrefreável que as decisões implicam.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Discurso de formatura - Homenagem aos pais

Bom, depois de uma longa temporada de mochilão pelos Estados Unidos (o que não permitiu que eu postasse nada por aqui), estou de volta a terras tupiniquins. E, como muita gente me pediu o texto do discurso que eu li na minha formatura (pois é, acabei de me formar, e fui escolhida para escrever e declamar o discurso dos pais), vou publicá-lo aqui!

No próximo post a gente conversa mais, daí eu explico melhor essa história!

Créditos: não sei. Mas valeu MESMO por ter tirado essa foto!


Homenagem aos pais - Formandos 2011 IBILCE, câmpus da Unesp de São José do Rio Preto


Pois é: a gente cresceu.

Mas por que ainda sentimos essa estranha necessidade de meter-nos debaixo das cobertas da cama de nossos pais?

Todos nós temos pais. Ou, ao menos, já tivemos. Alguns são mais ausentes que outros, alguns erram mais do que outros; alguns nem sempre sabem o que nos dizer.

Todo herói tem seu tendão de Aquiles. E, por vezes, a dor desse herói nos afeta. Pois nossos heróis são cem por cento humanos, e estamos mais conectados a eles do que jamais imaginamos.

“Você me diz que seus pais não te entendem, mas você não entende seus pais”, disse Renato Russo. Você se esquece que seus pais já foram jovens como eu e você, e que passaram pelo que você passou. E, ante a sua infantil rebeldia, limitam-se a menear a cabeça e esperar, pacientemente, que você volte para a cama deles quando o trovão estourar. Você não é tão valente quanto fingia ser, garoto. Menina, tire o salto alto e volte às suas bonecas.

Alguém acreditou em você. Mesmo com palavras duras, mesmo no silêncio, mesmo não expressando o que sentia, acreditou. Houve quem tenha sido pai e mãe de si mesmo. Houve pessoas como eu, que só tiveram mãe.

Você se julga tão independente. Tão maduro. Tão adulto. Mas você não contou todas as noites em
que você chorou no travesseiro, sozinho no escuro. As vezes em que você pensou em largar o curso e voltar correndo pra casa. As vezes em que a vida ficou pesada.

Mas você já ligou chorando. Você talvez não tenha sido tão valente quanto o mundo queria que você fosse. Naqueles dias de cão em que tudo o que você queria era um colo, um almoço de domingo, um beijo de boa noite. Ainda precisamos de um pai e de uma mãe tentando abraçar o mundo. O nosso mundinho particular.

Você cresceu. Mas nada vai mudar o fato de que você será, para sempre, filho. Para aquelas duas pessoas que te geraram, você será filho, acima de tudo. Você pode ser mestre, doutor, marido, esposa, ou, também, um pai ou uma mãe. Mas você é filho. Nada vai mudar isso. Você sempre vai ter essa necessidade louca de uma casa para onde voltar, daquele colo ou daquele tapa. Você ainda vai precisar de alguém que tenha a pachorra de te olhar na cara e te mostrar o quanto você está errado. Você ainda vai precisar ver a decepção nos olhos de um pai ou de uma mãe pra cair na real e se perguntar, “onde foi que eu errei”?

Sim, o erro e o acerto foram seus. A partir do momento em que você saiu de casa e se auto-intitulou “independente”. “Responsável”. “Maior de idade”. “Universitário”. Fachadas que usamos para nos esconder de nossas próprias fraquezas. Ainda somos crianças. Ainda não sabemos nada da vida, ou do mundo. Ainda precisamos da mão amiga que nos ajuda a atravessar a rua. Ainda não somos adultos o bastante para saber qual é o nosso lugar no mundo.

Se é que, um dia saberemos. Pergunte aos seus pais. E eles te responderão que seu lugar no mundo é ao lado deles, para sempre. Porque pai e mãe nunca morrem. Crer nisso é o que nos dá esperança para continuar vivos.

Dedico essa homenagem às mães e aos pais que todos temos e já tivemos. Às mães e aos pais solteiros. Aos falecidos pais. Aos pais postiços. Aos pais ausentes, seja qual for o motivo. Aos pais que a vida nos deu. Aos pais que a vida nos permitiu ter. Mas que, sem eles, não haveria presente.