sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Por que escrever música é mais complicado que escrever

Tenho uma certa inveja desses gênios que conseguem compôr uma música atrás da outra. E não tô falando de qualquer música, não (tipo essas porcarias instantâneas de hoje em dia, apesar da minha crítica clichê). Eu tô falando, por exemplo, dos Beatles, que, em uma só temporada na Índia, escreveram o Álbum Branco. Eu tô falando do Lennon, que lia cartazes de circo e, boom, fazia uma música. Uma música atemporal.

Era fácil demais pra eles, poxa! (Créditos Paul Saltzman)

Canto e componho desde os oito anos. Mas como é complicado compôr! Já passei por muita seca literária desde a época do Rosas, mas era questão de um mês e umas férias pra tudo se resolver numa boa. Não é difícil dizer (e cumprir), "agora vou sentar nessa cadeira e vou escrever um texto, uma poesia, qualquer coisa que me vier à mente". Mas é complicado pegar o violão e dizer, "vou fazer uma música já".

É quase como minha relação com roupas e moda. Costumo dizer que, para que eu compre ou use uma roupa, não sou eu quem a escolhe, mas ela me escolhe. É mais ou menos assim com uma composição. A música vem até mim quando ela bem entende e, por mais que eu a invoque, ela não vai vir até mim se não tiver vontade. E isso não me parece muito justo, essa coisa de "baixar um santo". Mas, comigo, é assim que funciona. Evocando o clássico "Fantasma da Ópera", espero desesperadamente pelo próximo beijo do anjo da música.

Mas não tenho tanta asa assim pra voar até ele e beijá-lo por mim mesma. Quando se trata de compôr, não sei tomar a iniciativa.

Quando eu era criança, tudo parecia mais fácil. Eu tinha acabado de descobrir o que era poesia, e que gostava de poesia, tanto que dizia a todos que queria ser "veterinária e escritora". Só continuei firme no segundo propósito, lógico. Mas continuei firme na música também. Escrevia músicas sobre minha vida, sobre borboletas (a borboleta Zulkira, não me pergunte de onde tirei isso) e gatos, de rock a valsa.

Depois, tive um gap musical de quase nove anos. Continuava me dedicando à poesia e ao canto, aprendi violão... mas não compus mais. Havia me esquecido de que podia compôr. Até que, um dia, dezesseis anos, estressada de tanto estudar para o vestibular, de saco cheio de tudo, numa crise de identidade lascada, escrevi Contratempo. E deu certo. Deu tão certo, que meus amigos começaram a cantar. Gravamos um clipe zoado da música - por pura diversão, falta do que fazer. Totalmente nada a ver com a epifania que eu tive quando escrevi a música, mas valeu. A gente se cobra pra fazer a música dar certo, pra fazê-la ser reconhecida... mas a música dá certo quando tem que dar. Aliás, pra mim, a música dá certo quando ela não morre na metade da composição - abortos musicais, pelos quais passo com certa frequência. Mas, quando a música chega ao fim, você sente aquela realização pessoal de "pô, fiz uma música". "Essa música é minha".

Solução foi escrita na mesma fase vestibular-estresse-crise-de-identidade; tava chovendo de verdade, e a primeira estrofe veio a mim:

A chuva cai lá fora
E dentro do meu coração
E eu aqui, agora, escrevo uma canção


E o violão foi fazendo o resto, e fui cantando sem saber como, por que ou de onde, mas cantei, toquei e anotei os acordes e a letra. E foi. E o refrão virou chiclete na minha turma. Veio outro clipe zoado, à la Mamonas. Mas minhas epifanias pessoais estavam virando música.

De uns dois anos pra cá, andei na fase "parcerias": a mais legal foi quando escrevi Por aí com uma amiga da faculdade, uma música engraçada e triste (engraçada pelo jeito que aconteceu e pelas piadas internas da letra, triste pelo fato que originou a música) sobre uma desilusão amorosa dela. A gente tava conversando sobre o fato e, do nada, ela disse, "pô, isso aí podia virar música", e foi tomar banho.

São essas coisas que me assustam em mim mesma quando dou pra compôr: quinze minutos depois, quando ela saiu do banho, fui mostrar a ela a letra da música - que sentei pra escrever assim que ela entrou no banho.

Aliás, eu escrevi a letra, ela mudou algumas coisas e montamos a melodia juntas, a dois violões. Gravamos e tudo, só não tem vídeo. Acho que essa se tornou minha composição favorita, não só pelo jeito que aconteceu, mas pela qualidade. Parcerias são uma ótima, e muito incentivadoras.

E, terminando este post, acho que entendo por que não é tão fácil para mim escrever música com tanta frequência. Eu dependo de epifanias. De conexões com o mundo ao meu redor. Mas me deixo distrair pela voz rasgada do John Lennon, deitada na cama numa tarde qualquer, de fones de ouvido, como qualquer normal. E me desfaço do mundo, e do tempo, e do espaço, e dos meus próprios questionamentos. E tenho preguiça das epifanias que me fazem mudar. Dá trabalho demais conhecer a si mesmo e tentar entender o mundo.

Finalmente adormeço. E, como uma Bela Adormecida, espero pacientemente pelo beijo do anjo da música. Quando ele me quiser.

2 comentários:

  1. me lembrei da borboleta Zulkira.....bjs

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  2. "Nas linhas do seu caderno, fiz paixão e poesia, entre leros e mensagens, confuso vem me ler nas entrelinhas!!!!"

    Após um dia cansativo de faculdade, um desabafo dos fatos do dia com minha compositora favorita, e um banho de 15 minutos me deparei com nossa música prontinha só pedindo uma melodia!!!

    Precisando de inspiração e um segundo violão, pode contar comigo Luly!!!

    I <3 U !!!

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