quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Indo embora


"Mas você não tem medo?", me perguntaram uma vez. Sobre o fato de eu ter saído de casa aos dezessete para fazer faculdade em uma cidade desconhecida. Ainda outra vez quando fui embora do país pela primeira vez. E, agora, ouço a pergunta se repetir enquanto faço as malas pela quarta vez.

Se eu tenho medo? Respondi que não. Mas, na verdade, eu tenho um pouco de medo, sim. Não sei se "medo" seria a melhor palavra para descrever isso. É, na verdade, um sentimento que não parece tem nome próprio. É a dor de ter repartido o coração em mil pedaços, tendo-os deixado espalhados por duas Américas inteiras, e saber que ele jamais será um novamente. Pois conheci pessoas demais, estive em lugares demais, e fui acomodando cada vez mais gente no peito e no pensamento. Falei outras línguas, vivi outras culturas, vi a vida sob olhos estrangeiros e nativos, peguei um zilhão de trens rumo a um milhão de lugares, me perdi e ri, badalei pelas ruas no salto mais alto, lindo e dolorido do mundo; fui quem me tornei, sem medo e sem pudor. O preço disso tudo? O coração, que está em frangalhos. É algo irreversível. Pois, se não se pode ter tudo, como ter, ao mesmo tempo, o colo da mãe, o abraço do amigo, o beijo do amor, a sabedoria do professor e a cumplicidade do colega, quando todas essas coisas são tão necessárias, o tempo todo e ao mesmo tempo? Como fugir para o campo antes de ser engolida pelo concreto, e como fugir do silêncio insuportável no instante surdo de um trem-bala?

E descobri que isso não se chama medo: se chama aflição. A aflição de não ser onipresente: eu não sou Deus, e o Paraíso não é aqui! Mas, se o próprio Deus nos advertiu de que "aflição" seria a palavra de ordem neste planeta, pago o preço de viver assim, dividida, meio cá, meio lá, eternamente esperando a hora de ir e de voltar. É que não dá para voltar atrás em matéria de sentimento. E, na incompletude deste coração cigano, recomeço a fazer as malas, a mandar beijo, abraço, saudações e dizer, "tchau, até a próxima, a gente se vê!"; mas nunca é "adeus".

E dou conta de ir de novo, estranhamente feliz da vida, quase explodindo de alegria, como manda o figurino. Também não dá para voltar atrás em matéria de destino. Se é que eu acredito nessas coisas...

Um comentário:

  1. A alma cigana um dia se assanha e te abocanha, noutro se aquieta e não mais te inquieta.
    É assim!
    Beijo grande, CZ

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