sexta-feira, 28 de junho de 2013

Era junho



Dizem que os sonhos sempre querem nos dizer algo sobre nós mesmos - presságios daquilo que desconhecemos, ou, então, daquilo que está ali, esfregado nas fuças, mas que, por alguma razão, não somos capazes de enxergar. Aquilo que, de tão esfregado, acabou absorvido, encravado na alma, na mente, no corpo inteiro.

Fui transportada, mais uma vez, para o seu apartamento quase sem móveis. Estávamos na sala, bebendo qualquer coisa, sentados no chão. Um colchão, mais algum móvel de madeira do qual não consigo me lembrar e algumas velas aromáticas espalhadas pelo carpete de madeira, que, com o reflexo dos raios de fim de tarde, davam ao ambiente uma atmosfera alaranjada, dramática e solar. A grande janela retangular de batentes brancos estava aberta, escancarando o sol que morria, incendiando a metrópole com a multicor vivacidade dos mesmos tons de laranja.

Não sei bem o que me levou até ali. Só sei que, naquele momento, eu queria e precisava estar ali, sentada confortavelmente no chão, de calça jeans e meias gastas, naquela cumplicidade química e espiritual que rolava entre nós. Como se pudéssemos ser quem somos de verdade - e não de mentira, só para variar. Não estou sendo redundante: estou sendo enfática.

Foi um sonho estranho e confortável ao mesmo tempo. Eu estava reclamando da falta de compreensão dos meus pais. Eles não entendiam que, mesmo depois de formada e "encaminhada", com um MBA na mão, eu, talvez, estivesse de saco cheio. De saco cheio da vida que eles planejaram para mim. De saco cheio de viver como se eu ainda tivesse dezessete anos e precisasse de permissão para resolver meus próprios problemas. Fiz um drama mexicano, pois queria enfatizar a minha dor, e, poxa, você me ouviu. E me entendeu. E nem precisei ser tão enfática assim. Quando finalmente sentiu que era hora de dizer algo, você me disse algo além de "relaxa, vai dar tudo certo". Porque essa é a resposta que as pessoas dão quando não querem saber do seu problema - querem é que você cale a boca e não seja tão ingrato. Porque, talvez, não fosse dar certo droga nenhuma se eu continuasse agindo como uma menina mimada de quase vinte e seis, caramba!

E, ali, no chão do seu apartamento, você me disse, com muita doçura e firmeza dobrada, que [talvez] aquela não fosse a solução. Digo, a raiva. A cabeça quente. A verborragia. Nunca é. Eu sei. Quer dizer, eu não sei. Quer dizer, eu não quero saber. Desculpa. É que não dá pra evitar. É muita pressão. Ser adulto é um saco - e, quando me dei por mim, eu estava dentro dele, amarrada até o pescoço.

E, com cinco ou seis frases bem formuladas, freando meus desabafos etílicos, que morreram de verborragia, você fez meus monstros parecerem menores do que eu os havia pintado, e o meu mundo começou a girar um pouco mais devagar, cada vez mais devagar, sem ainda frear, porém e por pouco, nos seus lábios e braços e mãos e olhos de roda gigante. E as verdades que eu não disse ficaram presas no batom que você não tirou. Ah, queria eu poder controlar os sonhos!

Sorrimos, cúmplices de um desabafo da vida adulta. E concordamos que ser adulto é chato pra caramba. Mas que fica menos chato e menos difícil quando se sabe amar.

Você foi um ótimo ouvinte. Um ótimo amigo. Um amor melhor ainda.

Assunto encerrado, fomos à cozinha desbravar a geladeira para, em seguida, comermos qualquer besteira no chão da sala nua. Afinal, o chão é o lugar mais perto da realidade. E aquele fim de tarde teve som de Radiohead.

***

Acordei num sobressalto, como todas as manhãs, com o alarme escandaloso me chamando para um novo dia. Você não estava mais ali, mas os meus problemas estavam todos ali. Dei de ombros. Então me lembrei do sonho e sorri. "Obrigada, até logo".

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