quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O vestido da sorte (parte I)


Não importa o quão fútil isto venho a soar: toda mulher tem um vestido da sorte. E o meu é preto e justo, de mangas longas e decote canoa.

Extremamente democrático, vai com absolutamente tudo: com longas e provocantes botas pretas de camurça ou com All Stars atrevidos, com festas de casamento ou festas de família, com pernas de fora ou por fora do jeans, com meu ruivo crepom desbotado dos dezessete ou com meu novo loiro Pixie Lott. É, definitivamente, o vestido que me torna a mulher que eu quiser ser - ou a que não estava bem nos meus planos.

É um vestido usado - ou vintage, um eufemismo chique para coisas fora de moda que se tornam hype ao serem adjetivadas como tal. Devo tê-lo há uns bons anos - sei lá, há uns cinco? Não posso te dizer quando foi a primeira vez em que o usei - mas eu me lembro muito bem da primeira vez em que passei a acreditar em tão urbano talismã.

A primeira vez em que (o vestido) aconteceu foi num pós-casamento - no qual, aliás, não estava usando esse vestido. Sábado à noite, festa razoável, sem grandes emoções. Fui para casa - afinal, quem se importa se eu for para a cama às dez num fim de semana? Mas meu celular tocou.

- Oi, Gabe.
- Tá a fim de sair?

Não tava. Mas também não tava a fim de dormir. Pensei na proposta.

- Tá a fim de fazer um som?

Pronto, ele me pegou justamente na minha maior fraqueza: música. Larguei o conservatório aos dezessete, na mesma época em que parei de pintar o cabelo com crepom e em que inventei de entrar na faculdade de Arquitetura; mas ainda tinha uns bons anos de violão clássico na ponta dos dedos. E o Gabe sabia disso.

- Hum... hã... tá. Passa aqui então, que tô descendo.

Agora, imagine só. Eu não tava lá muito a fim de fazer nada. Mas, já que decidi sair pra "fazer um som", não podia ir com meu meia pata matador (que estava matando era o meu ), nem com meu vestido nude de cetim. E era o Gabriel - um desses garotos bobões que a gente conhece na escola, palhaço oficial da turma e meu melhor amigo desde a sexta série. Era  o Gabriel - então, não precisava me emperiquitar.

Eu tinha cinco minutos até o Gabe andar três quarteirões até a rua de casa. A noite estava fresca, e já passava das dez. Fiquei nua no quarto, à meia-luz, encarando o guarda-roupa - sábio e paciente oráculo face aos meus indumentários dilemas femininos de cada dia.

E eis que o oráculo atendeu à minha prece de macarrão instantâneo: ao abrir-lhe as portas, lá estava o vestido, sem mais, nem menos. Caiu bem com um jeans qualquer e a sapatilha preta de poá de sempre. Prendi a franja. Um pouco de preguiça de juntar os cacos do que foi uma maquiagem de casamento - um batom carmim deu jeito.

Mensagem de texto, "tô aqui". Suspiro - já que não tinha nada melhor pra fazer.

Um Gabriel de moletom me esperava na portaria do prédio. O violão tinha ficado em casa.

- Então, minha mãe tá reformando "uns cômodos aí"; tem uma sala vazia com uma acústica muito louca. A gente podia subir lá e tentar gravar alguma coisa.

Encarei o danado, prestes a dizer qualquer besteira em tom de descrença ou escárnio; mas eu só ri. Topei a brincadeira; afinal, era o Gabriel, e a gente nunca gravou nada antes, e a gente só vivia tocando juntos e rindo pelos cantos, com o resto dos meninos que jogavam truco no fundo da sala, no colegial.

[Continua]

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